Contribuições aos Estudos e as Pesquisas das Ações Físicas



                                         Dayse Angela do Nascimento Azevedo. 
                                                        Mestre em Artes Cênicas


           Nos últimos anos, sobretudo, após o advento da “Constituição Cidadã” (1988), a qual determinou a pratica do racismo no Brasil como crime inafiançável, o Estado brasileiro junto aos movimentos sociais vem produzindo políticas públicas que visem corrigir a desigualdade étnicorracial bem como, garantir os direitos de alguns segmentos da sociedade.  O Brasil é um excelente exemplo de pais pleno e rico em referências multiétnicas e interculturais, cujo encontro das culturas negra, indígena e portuguesa se interligam em um processo híbrido de formação da cultura brasileira. Segundo dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -(Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Mensal de Emprego) em Setembro de 2006, a distribuição da população em idade ativa por Cor ou Raça desenvolvido em seis regiões metropolitanas: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, revelam que 43,6 % de brasileiros não são brancos.Considerando existir aqueles que não se assumem  pretos/pardos, amarelos ou índios, somados a população dos Estados brasileiros que não fizeram parte da pesquisa,  a porcentagem não branca pode subir e até mesmo passar dos 50%. Diante do fato, o Governo Federal visando implementar diretrizes democráticas no pais, outorga a lei nr. 10.639/03 referente a inclusão obrigatória nas escolas publicas e privadas, da educação básica do ensino fundamental e médio, a inclusão da temática Historia da África e das culturas afrobrasileiras. Essa lei foi alterada pela lei 11.645/08 passando a incorporar também a historia e cultura dos povos indígenas. Tais leis tornam-se necessárias para que se repense a educação, a fim de proporcionar maior aderência e alinhamento entre o conteúdo e as formas de ensino. Observa-se que o projeto de pesquisa está em consonância com o Projeto Político Pedagógico Brasileiro, podendo contribuir com a formação de professores.

      Nesse sentido, o teatro pode vir a contribuir no processo do Projeto Político Pedagógico desenvolvido nas escolas brasileiras, tendo em vista as significativas transformações ocorridas desde o final do século XIX até a primeira metade do século XX. Assim as convenções tradicionais foram postas em questionamento e nas ultimas duas décadas do século XX, mudadas definitivamente. Podemos destacar a forte contribuição deixada por Grotowski (1976) na década de 60 e 70 ao ‘processo criativo’ do ator/performer (sentir, ser, agir) no tempo/espaço em relação entre: si mesmo, no contato com o outro e o meio-ambiente Tal contribuição, alimentada pela pesquisa desenvolvida por ele no Haiti e na África, tem como foco o corpo, não como um Ser introspectivo voltada para si mesmo sob domínio da mente do autor e de seus personagens, e sim corpo autônomo, plasmado nos espaços do ‘agora’  revelando campos extracenicos,  etnicorracial e  intercultural.

O  Teatro - Educação Renovado

        Evidencia-se um novo olhar voltado à educação, que transcende, que vai além dos muros das escolas, das normas disciplinares. Ao contrario da velha escola, chamada tradicional de regras e de manuais excludentes, a Nova escola não permanece isolada da comunidade, ela dialoga, intervém, sugere com o seu entorno. Deve focalizar e respeitar o simples indivíduo, o seu campo de vivência, suas origens e tradições.

         Depois do lançamento do livro “Teatro pos Dramático” de Lehmann (2007) o mundo acadêmico volta-se a interrogar, discutir e refletir questões culturais que levam a repensar as fronteiras que interligam tradição, modernidade e teatro pos- dramático. Seguindo essa linha de pensamento é possível delinear o percurso de pedagogia teatral afro-brasileira. Mario Bolognesi (2006) quando aborda a questão do novo e do tradicional, ele diz: “O ‘novo’ tal como denominado hoje em dia, é o ‘tradicional’ na historia do espetáculo circense e o chamado ‘tradicional’ foi a novidade que o circo alcançou no século passado” (Bolognesi p. 14, 2006). Isso nos remete a pesquisa de Daniel Marques (2006) em seu artigo “Subvertendo Hierarquias e Retratando Fronteiras: gênero Dramático e Escrita Teatral no Circo – Teatro de Benjamin de Oliveira quando destaca, por volta da virada do século XIX para o século XX, a produção teatral do compositor, cantor, dramaturgo, ator e palhaço de circo, o negro forro, Benjamin de Oliveira (1870- 1954). Segundo Marques sua produção é um modo “hibrido em sua natureza, pois conjuga espetacularidade circense com uma nova matriz dramatúrgica; hibrido em sua espacialidade, pois conjuga palco e picadeiro” (Marques 2006).

        Para entender melhor essa transmissão de paradigmas, Lehmann (2007) afirma que “é preciso mais e  mais desenterrar os mortos, para deles extrair o futuro” (Lehmann 2007 p. 13  apud Muller Heiner) ou ainda, Galeano (2008) ao citar o pedagogo teatrólogo Brecht  no seu livro ‘As Veias Abertas da América Latina’:

Infeliz da nação que precisa de heróis. E se isso for critério para julgar felicidade, a  América Latina tem sido muito infeliz. Mas infeliz ainda porque os verdadeiros heróis  estão soterrados pelas avalanches de infâmia e injustiças elaboradas pelo discurso articulado à sombra do poder. (Galeano 2008 capa interna apud Brecht).

        Este será o ponto inicial do presente estudo, desenterrar os mortos no sentido de recuperar as historias dos antepassados, resgatar as tradições afrodescendentes para recriar formas e métodos para a educação tendo em vista que; a arte, a cultura, a educação e a vida, estão em constantes transformações. Entende-se que a historia do negro se traduz na própria historia do Brasil.  Por gerações descriminados, submersos, vistos com indiferença e desprezo, largados a própria sorte. Mortos à sombra do poder! Hoje o quadro se inverte, a cultura  afrobrasileira resiste aos tempos e se faz presente no mundo. Acredita-se que tais matrizes performativas se sustentadas por reflexões democráticas, tornam-se sólidas e acessíveis a todas as crianças, jovens e adultos no exercício da cidadania e dos direitos humanos.

        A Pedagogia Teatral Afro-brasileira define-se no ambito das ‘Teatralidades  Contemporâneas’ (Fernandes 2009) podendo assim contribuir com  este novo processo de ensino. Traz como objeto de estudo as ações fisicas humanas, sejam elas singulares e/ou coletivas onde, a tradição oral de matriz africana é entendida não só como oralidade, mas como o conjunto de conhecimentos, de aprendizados, de memórias, gestos e sonoridades. Possui métodos diferenciados que focaliza o aprender como objeto do fazer através do jogo. Destina-se a intervençoes interdisciplinares e interculturais no ambiente escolar à pesquisas prático-teóricas de manifestações culturais vividas nas comunidades: remanescentes de Quilombos, afro- brasileira e ou da Diáspora africana na América do Sul.
       
         É um território sem fronteiras onde todas as artes integram-se umas com as outras para melhor fluir a comunicação. Cita-se como exemplo a Arte performance dos Griot na relação com a comunidade que transmite por meio da música, da dança, do canto, do jogo e das artes visuais, sua tradição, seu conhecimento e suas origens africanas.

       O trabalho em questão, revela-se a partir das pesquisas desenvolvidas pelo pedagogo teatral polaco Grotowski (1970) por levar as últimas conseqüências as ações físicas elaboradas por Constantin Stanislavski (Bonfito 2007) Grotowski ultrapassa o sistema de Stanislaviski e coloca em evidência o corpo, fluxo de energia em rede de impulsos entre: processo orgânico (interno do organismo corpo) e processo artificial (cuja origem da ação parte da periferia do corpo). Segundo Rini (2005) o estudo feito por Grotowski sobre alguns rituais africanos e caribenhos (antigos cantos vibratórios e a marcha yanvalou) presentes na Arte Performativa africana, consentiu ao maestro individualizar elementos técnicos que foram usados por ele como ‘instrumentos’ para explorar aquilo que liga organicidade à experiência interior do corpo. Observa-se a forte contribuição de tais estudos de prática performativa para o Teatro Contemporâneo do Ocidente no que se refere: desenvolvimento da potencialidade criativa do humano/ator/performer enquanto atuação presente do corpo-vida-arte; precisão no movimento e sintonia entre tempo/ritmo/respiração; postura não rígida e importância da ondulação da coluna vertebral, corpo - memória,  entre outros.
         
         Reservam-se devidas atenções às dinâmicas desenvolvidas por artistas negros como: o escritor e poeta Luis Gama (1830-1882), o já referendado Benjamin de Oliveira (1870-1954), ao poeta Solano Trindade (1908-1974), ao grande e ilustre Abdias do Nascimento (Mendes 1993), entre outros que vieram a favorecer mudanças nas relações de poder como também na presença do negro nos palcos brasileiros.  Isso se deve a um novo olhar que hoje, influencia e determina o panorama educativo – político- teatral afro  brasileiro.

        Dentro dessa dinâmica o corpo torna-se parte importante na maneira de pensar, ser e de agir que nas culturas africanas é o elemento básico. Através das linguagens teatrais desenvolvem-se elementos que vão somar a uma construção pedagógica que interage com o individuo no seu contexto sócio-educativo-cultural que aqui denominamos Pedagogia Teatral Afro - brasileira.


Bibliografia
  • Bolognesi Mario Fernando. Circo e teatro: Aprovações e Conflitos. Revista Sala Preta, n. 6 2006.
  • Bonfito  MatteoO Ator Compositor. São Paulo: Perspectiva,  2007 
  • Fernandes Silvia. Texto e Imagem : Estudo de Teatro. Organização: Maria Heklena Werneck e Maria Brilhante – 7 Letras – 2009
  • Grotowski Jerzy. Em Busca de um Teatro Pobre. Rio de Janeiro,
      Civilizaçao Brasileira, 1976
  • Galeano Eduardo. As Veias Abertas da America Latina. Rio de Janeiro,
      Paz e Terra, 2008.
  • Lehmann Hans Thies. Teatro Pós – Dramático. São Paulo; Cosacnaify, 2007.
·         Mendes Mirian Garcia.O Negro e o Teatro brasileiro (1889 e 1892). São Paulo: Hucitec, 1993.
  • Marques Daniel.Subvertendo Hierarquias e Retratando Fronteiras: Genero Dramatico e Escrita Teatral no Circo- Teatro de Benjamin de Oliveira revista Sala Preta, n.6 2006.
  • Rini Roberto. Il Mistero Vivente: Organicità e Impulsi nella Ricerca di Grotowski.
      Organizadores, Ciancarelli Roberto, Ruggeri Stefano in; Il Teatro e le leggi  
      dell’organicità. Roma, Dino Audino, 2005.