Ator- performer - docente em ação e a educação quilombola.



Dayse Angela do Nascimento Azevedo. Mestre em Artes Cênicas

           



RESUMO

           Na tentativa de suprir a carência de material referente a metodologias de ensino e de pesquisas do teatro- educação no ambiente escolar, busca- se aqui, percorrer as trilhas do conhecimento de pedagogia teatral contemporânea e investigar alternativas possíveis para o desenvolvimento de tal analise, a partir do encontro entre práticas pedagógicas teatrais de matrizes africanas e os estudos do pedagogo teatral GROTOWSKI sobre as ações físicas do homem performer em ação. Nesse sentido, contribuir com o Projeto Político Pedagógico a divulgar formas ‘diferenciadas’ de ensino-aprendizagem na educação sob a lei 10.639/03,  lei 11.645/08 referente à inclusão dos estudos e pesquisas das culturas africanas e afro - indígena brasileira nas escolas do ensino básico, fundamental e médio. Para que, profissionais do ensino, pesquisadores, estudantes, mergulhem em questões voltadas a esta área do conhecimento e reflitam sobre relações interpessoais e vivência de grupo, como também, criação, encontro, inclusão de novas linguagens artísticas para o teatro- educação.

.Palavras-chaves: Corpo performer. Educação diferenciada.Teatro- educação.


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Introdução

        Proposta de construção pedagógica, transdisciplinar, intercultural, interétnica, que visa ampliar o conhecimento, o domínio e a aplicabilidade de novas metodologias para o Teatro - educação nas escolas a partir da Teatralidade Contemporânea. Para que profissionais, pesquisadores e estudantes, ao mergulharem em questões voltadas a esta área do conhecimento, abracem temáticas que os levem a refletir sobre o ensino -aprendizagem no interior do ambiente escolar através do percurso didático de Pedagogia Teatral Afro- brasileira. O foco da pesquisa é a Educação Diferenciada -- Educação Escolar Quilombola, realizada na comunidade - escola, Quilombo Campinho da Independência, GUSMÃO (1995), no Município de Paraty, no Estado do Rio de Janeiro.
           
         Percurso metodológico de pesquisa de campo, roteiro semi estruturado de perguntas com abordagens qualitativas, por meio de encontros, conversas, anotações e uma sequência de entrevistas, aos profissionais de ensino, aos ex-alunos e moradores da comunidade. Buscou-se dialogar procurando refletir temáticas sobre relações e vivência de grupo no interior do ambiente escolar, a saber: trabalho dos docentes dentro e fora da escola, alunos, pais e o próprio grupo comunitário, (experiência, historia, tradições culturais, lugares de memórias).Verificou-se a urgência na implementação de programas voltados a formação de professores/as sob o tema: teatro – Educação Diferenciada destinado, sobretudo, ao Município de Paraty, visto que, na região convivem: negros (quilombolas) nativos do Brasil (índios), caiçaras (beira mar) e europeus. Observa-se que a questão do multiculturalismo como da interculturalidade são fatores não só presentes na localidade de Paraty, e sim, exemplo característico da nossa sociedade brasileira.

          Repensar e refletir caminhos metodológicos sob prática de ‘Educação Diferenciada’ de ensino - aprendizagem para o teatro - educação nas escolas, significa: fortalecer o conhecimento teatral, a partir das ações físicas do corpo, junto ao processo criativo de cada indivíduo. Possibilitar o desenvolvimento natural das habilidades humanas, favorecendo com isso, o dialogo entre: si mesmo, o outro e o meio ambiente. Vivenciar as ações do quotidiano de forma consciente, buscando, por meio das atividades artísticas, alternativas para a resolução de possíveis conflitos e o favorecimento do encontro e o respeito entre, pessoas e seus respectivos grupos étnicos.


Por que utilizar-se dos estudos do pedagogo teatral Grotowski?

             A escolha pelo trabalho do pedagogo foi feita por ele destacar o corpo performer do ator na mesma concepção aplicada pela pedagogia Griot, isto é: tanto o ‘corpo do ator na cena’ quanto, o ‘corpo do humano na vida quotidiana’ estabelecem contato, entram em relação, tornando-se, neste espaço, um corpo vivo, múltiplo, perceptível, hábil, hibrido, energético, móvel, flexível. Grotowski em seus estudos buscava, como na pedagogia Griot, pesquisais direcionadas a uma dinâmica prática de comunicação fundada na relação interpessoal e de grupo. Ele procurava a descentralização do poder, um outro saber-fazer teatral, uma maneira de representação ‘diferenciada’ proveniente de outras culturas.

             Verifica-se na história do teatro que antes de Grotowski muitas foram às coisas não permitidas, e que hoje, são permitidas. Precisamente a partir de 1960/70 quando GROTOWSKI no período do Parateatro critica e rompe com algumas praticas de teatro. Certamente este foi um dos motivos que levou LEHMANN (2007) a colocar o teatro de GROTOWSKi como ‘Teatro Pós Dramático’, por romper com o conceito clássico de teatro e abrir sua pesquisa para os novos paradigmas da encenação, tornando-se um teatro, legitimamente contemporâneo.

             GROTOWSKI defende a energia vital como essência natural do humano onde o fluxo energético do corpo do ator se desenvolve em um processo criativo, dinâmico (de dentro para fora) e vice-versa (de fora pra dentro). Acredita-se que este processo desperte no artista/docente a consciência do corpo no (espaço – tempo – ritmo) ajudando-o, não só na elaboração do processo de criação, de comunicação e de reconstrução histórica com o mundo externo, mas como também, abre caminhos e perspectiva de atuação tornando-se: criador e compositor de partituras corporais e certamente, de seu próprio percurso artístico, didático, intercultural.
     
            O teatro de Grotowiski quando parte em busca do outro lugar do possível, possibilita o retorno ao teatro original, ao cerimonial, ao rito-teatro. Com este olhar ‘diferenciado’ será o corpo a indicar a sequência das ações, o centro, passa a ser a organicidade, a respiração, a vibração, as energias vitais em sintonia entre: tempo - espaço – corpo - voz. A estrutura do corpo passa pela ondulação da coluna vertebral, por uma postura não rígida. Por um corpo livre, hibrido em um espaço entre, pessoas e coisas.
       
A Educação quilombola

            A chamada por uma ‘Educação Escolar Quilombola’, tema importante na atualidade brasileira, deve ser de inteiro conhecimento do professor/a. Este/a deve estar não só ciente do assunto, mas como também, dominar metodologias voltadas a esta dinâmica de leitura ‘diferenciada’.
         As comunidades remanescentes de quilombos estão presentes em praticamente todo o território brasileiro, com exceção nos Estados do Acre, Roraima e Distrito Federal, nem por isso suas tradições são reconhecidas e sobretudo, valorizadas pelos brasileiros. Por tal motivo, os movimentos sociais se organizam para que a inclusão desta outra realidade, seja permitida. O que temos hoje é uma forte demanda, por parte de grupos emergentes, por reparação histórica, por reconhecimento e restituição de valores e direitos de oportunidades para as comunidades. São movimentos sociais, Associações Culturais, cita-se; Comunidade Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ, Conselho Nacional de Educação – CNE, Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro ACQLERJ- Associação dos Moradores do Quilombo do Campinho AMOCQ, Pontos de culturas, entre outros grupos sociais e Instituições publica e privadas voltadas as questões afro-brasileiras presentes em todo Brasil.
          Como resultado desta luta, do Movimento Negro, em dezembro de 2010 aconteceu em Brasília, pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI, o 1° seminário Nacional de Educação Quilombola. E, em junho 2011 o Conselho Nacional de Educação – CNE, promove em Itapecuru- Mirim (MA) no mês de agosto, a 1° audiência pública e outras duas, ainda este ano, em São Francisco do Conde (BA) e Brasília, com a finalidade de colher subsídios para a elaboração das diretrizes curriculares para a Educação Escolar Quilombola.

          O percurso didático, intercultural, de Pedagogia Teatral Afro-brasileira muito pode vir a contribuir para tal realidade na medida em que se destacam duas questões fundamentais que permeiam o panorama teatral contemporâneo, a saber: de um lado, promoção ao debate critico e reflexivo, sobre o corpo em estado cotidiano, corpo que compõe um ‘organismo social’ e do outro lado, o corpo extracotidiano, corpo que compõe o ‘organismo cena’ da realidade à ficção. Tal prática torna-se pertinente ao percurso proposto de formação de professores tendo em vista a fortalecer e ampliar as linguagens artísticas e possibilitar o entendimento de conflitos, bem como, à resolução de possíveis problemas que venham a ocorrer no interior da escola, tais como: violência, racismo, discriminação, intolerâncias, entre outros...

           Nesse contexto o valor formativo do Teatro como proposta pedagógica, passa a ter caráter performático. O espaço reservado a cena não é emparedado, dividido entre palco/platéia, ator/espectador, é espaço de criação, aprendizado e de conhecimento. Espaço compreendido de técnicas, práticas de jogos, experiências metodológicas, onde o processo de criação torna-se relevante, veemente, eficaz, único que desperta nos participantes o prazer da autonomia através da conscientização pelo movimento. Entende-se como performance: corpo em movimento (tempo-ritmo-espaço) que estabelece condições ao espectador (alunos participativos) a efetuar uma leitura crítica coerente e criativa sobre o mundo.

          A experimentação com a prática pedagógica não está restrita a realização de uma obra teatral enquanto espetáculo, e sim, obra de arte enquanto corpo - vida, no caminho para conquistar o conhecimento na medida em que dialoga com a realidade local dos quilombolas e o contexto global, destacam-se nesta mediação eixos importantes, tais como: corporalidade, memória, identidade, desenvolvimento sustentável. Para que isso aconteça, será preciso que o sujeito, ator - performer – docente, busque ações que respeitem, provoquem, questionem as relações humanas, no que se refere a fortalecer à convivência no dia-a-dia: “tudo pode ser objeto de estudo, tudo pode ser performance. Nas ações do dia a dia o sujeito está presente e é participativo.” SCHECHNER (2003, p.25 ).

     Neste percurso de pesquisa o corpo do ator passa a fazer parte da cena contemporânea enquanto elemento autônomo, vivo, corpo plasmado no que é essencial para a vida e as relações. Assim sendo, o teatro pobre de Grotowski, abre um leque de possibilidades. Porque permite que a encenação seja desenvolvida em um espaço totalmente vazio, isto é, sem a necessidade de grandes cenários e, ou, de caros figurinos, o que acontecia no teatro tradicional. A sala de aula, como, os outros ambientas da escola, podem ser explorados para a experimentação de práticas de conscientização do corpo em movimento.  Para isso, a escola do século XXI, deve estar aberta a essa realidade e preparar não só seu espaço físico, mas como também, a formação do profissional de ensino para a aplicação de práticas pedagógicas renovadas referentes a tais metodologias artísticas.
              
            O educador/pesquisador, ao fazer parte de um espaço onde não é permitido copiar, fazer igual, por ser um espaço aberto à criação, exercita a cada momento, a cada instante, sua vivência diária. Por tal motivo, adquiri a função de mediador cultural das ideias que ali florescem, assim como, um orientador, um contador de historias, um estimulador de métodos do saber- fazer – teatral, cujo pensar, ser e agir, torna-se totalmente ‘diferenciado’ dos moldes clássicos do ‘ensino tradicional’ de educação.

          Esta pesquisa visa contribuir com a divulgação de estudos e pesquisas das Artes Cênica ao destacar, evidenciar e divulgar, a importância do trabalho do artista – docente – mediador - performer a partir de práticas ‘diferenciadas’ de ensino - aprendizagem no contexto comunidade — escola. Trata-se de um percurso socioeducativo, transdisciplinar, intercultural integrado a vida, que ajuda no processo individual de cada criança, assim como, no processo de alfabetização, ler e escrever, na medida em que o percurso criativo favorece o reconhecimento fonético das sílabas, através do jogo rítmico sonoro das palavras (frases rítmicas) à criação de textos. Amplia a percepção espacial através da reconstrução e desconstrução de diferentes ambientes, manuseio de objetos e cenários, como também, nas relações humanas através da expressão (lúdica) do corpo em experimentação na vida quotidiana, através de estudos dedicados as ações físicas (ação, atuação, relação). Verifica-se que estamos diante de novos paradigmas para a educação como também, para o próprio teatro.

      
Referencias Bibliográficas

1-   ATTISANI Antonio, BIAGINI Mario (org). Opere e Sentieri, Jerzy Grotowski testi 1968-1998,Roma.Bulzoni, 2007.
2-   GUSMÃO, Neusa Maria Mendes. Terra de pretos, terra de mulheres: terra, mulheres e raça num bairro rural negro. Brasília. MINC/Fundação Palmares, 1995.
3-    LEHMANN, Hans-Thies.Teatro pós dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
SCHECHNER Richard. O que é performance ? Estudos da Performance Rio de Janeiro; O Percevejo - revista de teatro n° 12, 2003