Nise da Silveira e as praticas metodológicas entre arte e vida.

Texto:  Dayse Angela do Nascimento Azevedo

É interessante notar que não aprendemos na escola, nem em família, como lidar com os nossos sentimentos, nossas emoções, nossos afetos, nossos prazeres, enfim... com os fragmentos desorganizados da vida, as metamorfoses do ser. Nesse sentido, Nise da Silveira observa a importância dos ensinamentos em Yung e Artaud...

Costumo dizer que os estudos e as pesquisas que faço, bem como, a metodologia que sigo sobre “corpo, memória, imagem e identidade” não começou no circuito acadêmico e sim, vem sendo desenvolvida em percurso prático, em dinâmicas performativas que perduram por toda minha vida. A pratica metodologia a qual me refiro antecede a teoria. É uma pratica voltada as pesquisas do corpo no cotidiano, no aqui e agora de suas  ações - reações e recepções referentes às relações humanas em dinâmicas conjuntas, entre arte e vida.                               

Depois de me ausentar por 17 anos do Brasil, faz seis que cheguei à cidade do Rio de Janeiro. Em 2013 tive a oportunidade de estar entre brincantes, foliões do carnaval de rua carioca. Em 2012, Paraty – exatamente: documentando o carnaval do Quilombo Campinho da Independência. Nos anos anteriores, nada de carnaval. Curti o inverso romano.

Esse ano 2014, nada me animei. Preferi ficar em casa. Mas, as semanas que antecederam o carnaval, aproveitei para visitar e conhecer a Feira das Yabás situada no bairro de Oswaldo Cruz, conhecido berço do Samba. A festa estava linda, mesmo! Contou com a participação da Velha Guarda da Portela e de Paulinho da Viola. Muito bom! Na semana seguinte da feira das Yabás, acompanhei o bloco de carnaval do Hospital Psiquiátrico “Nise da Silveira” antigo Hospital Pedro II, no bairro do Engenho de Dentro. 

A feira das Yabas acontece desde 2008, uma iniciativa do sambista Marquinho de Oswaldo Cruz. As barracas, espalhadas pela praça - Paulo da Portela - oferecem o que tem de melhor da culinária Afro-brasileira, como exemplo: acarajé, cozido de peixe, rabada com angu, galinha com quiabo, vaca atolada, feijoada, entre outros ...  As mulheres, as cozinheiras da feira, são as verdadeiras estrelas, rainhas da festa, podendo até chama-las: divinas Yabás de Oswaldo Cruz. Yabá significa “Mãe Rainha” e no Brasil  é um termo usado para definir todos os orixás femininos.

Busco sempre, como já mencionado nas primeiras linhas desse texto, dar continuidade à pesquisa sobre “corpo – memória – imagem – identidade”. Atualmente, minha pesquisa esta sendo realizada na biblioteca, “Museu da Imagem e do Inconsciente”, localizada no interior do Hospital Nise da Silveira.

 

Nise da Silveira foi uma psiquiatra brasileira que não aceitava as formas agressivas de tratamento psiquiátrico de sua época. Daí então, introduziu no ano de 1946 a sessão de “Terapêutica Ocupacional” no antigo Hospital Pedro II.  No lugar de técnicas tradicionais como os eletrochoques, seus pacientes desenvolviam atividades de pintura e modelagem.  Nise, para o desenvolvimento de sua pratica, cria na época um atelier e convida o artista plástico Almir Mavignier para aplicar junto aos seus pacientes esquizofrênicos, “atividades expressivas que pudessem dizer algo sobre o interior do individuo e ao mesmo tempo falar das relações deste com o meio”. Lisboa, Luiz Carlos. Estranhas Vivencias Interna. "Encontros". (p.82)

Seguindo os ensinamentos de Yung e Artaud, Nise da Silveira, por meio desses métodos sob titulo de “Terapêutica Ocupacional”, revolucionou a Psiquiatria no Brasil.  Entre outros artistas pacientes que criaram obras incorporadas a essa metodologia terapêutica, destacam-se: Adélia Gomes, Carlos Pertuis, Emygdio de Barros e Octavio Ignácio.

É interessante notar que não aprendemos na escola, nem mesmo, em nenhum outro lugar em família como lidar com os nossos sentimentos, nossas emoções, nossos afetos, nossos prazeres, enfim...! Com os fragmentos desorganizados da vida, as metamorfoses do ser. Nesse sentido, Nise observa a importância dos ensinamentos de Yung e Artaud. Em Yung por estudar os mitos e desvendar o ser em uma espécie de arqueologia. Ele acreditava que o tema do mito aflorava com bastante frequência na arte e que para reconhecer seus fragmentos era preciso estudá-los. Ele disse: " Fragmentos de mitos que por sua vez não são outra coisa senão condenações de experiências humanas onde o mundo interior e exterior se encontram" Mello Carlos. (1987.p. 101). E, em Artaud que através da unidade das coisas, viveu em busca do mito do sol e da reorganização de seus próprios fragmentos, imagens em decomposição, ou seja: alguns "acontecimentos terríveis que poderiam ocorrer na profundeza da psique, avassalando o ser inteiro (...)" uma espécie de metamorfose do corpo. (Artaud. apud  Nise 1987p. 9)  Ele acreditava que quem tem o sentido da unidade tem o da multiplicidade das coisas. " Mudei-me para o mundo das imagens, as imagens tomam a alma da pessoa" (Artaud.apud Nise  1987 p. 97). Acredita-se que por esse motivo Artaud não aderiu ao movimento revolucionário dos surrealistas por acreditar que a maior revolução se dá no interior de cada  ser humano (corpo-sujeito).

Voltando ao tema Carnaval de rua carioca, esse ano não optei em segui-lo. Multidão, confusão, lixo. Alias, a questão do lixo apresentou –se já  no ano passado, esse ano, com a greve dos trabalhadores da COMLURB – Companhia Municipal de Limpeza Urbana - podemos todos imaginar a sujeira que a cidade ficou.  Foi tema em questão também ano passado, mas se falava dos maus costumes, da má educação dos foliões. Hoje o que temos é também, um grande desrespeito aos trabalhadores da limpeza, que ganham em torno de 960,00 reais. Fala-se muito de médicos cubanos por serem discriminados mediante outros médicos. Tanto o medico cubano como o gari e, ou, qualquer outro trabalhador, não conseguem viver com 900,00 reais. O Prefeito Eduardo Paes diz demitir cerca de 300 trabalhadores caso não voltem ao trabalho. Afinal, quem deveria ser demitido é o próprio Prefeito que foi flagrado, em um vídeo que gira pela Internet, jogando lixo no chão.

Esse país está de “pernas pro ar”. Mas acredito haver solução, tenho esperanças. Para isso, precisamos da participação de artistas, pesquisadores conscientes: interferindo, sugerindo, propondo projetos inovadores. Aí sim, o processo educativo intercultural através das artes, fará a diferença.

Só para concluir: corpo, memória, imagem e identidade são fragmentos que quando apresentados em seu conjunto, integram – se, interligando-se em um espaço de aprendizado comum de reflexão e dialogo em  percurso de pesquisa e de estudos voltados as “ações físicas”. Podemos nós artistas, sugerir e desenvolver propostas que venham a contribuir na resolução de determinados problemas e, ou, conflitos, sejam eles: oriundos do interior do próprio sujeito,  do  grupo que se está trabalhando, assim como, das relações destes com o meio.

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YOUTUBE:    Hospital Nise da Silveira Fefeira das Yabas. Carnaval 2014

Referencias Bibliográficas

  • Lisboa Carlos Luiz. Silveira Nise. Org. Luiz Carlos Mello. Encontros. Estranhas Vivencias Internas.. Rio de janeiro, 1987.
  • Silveira Nise. Org. Luiz Carlos Mello. Encontros. Artaud: um Homem em busca do seu mito. Rio de janeiro, 1987.
  • C.G. Yung.( p.38). Silveira, Nise. Org. Luiz Carlos Mello Os Inumeráveis Estados do Ser..  Exposição/ catalogo. Editor, Carlos Mello. Rio de Janeoro,1987. http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/inumeraveis_estado_ser.pdf