Pedagogia Teatral Afro brasileira. Por uma desconstrução dos mitos do passado

Texto publicado no XIII Coloquio do Programa de Mestrado, Pós Graduação em Artes Cênicas, Processos Cênicos em Educação - PCE. Universidade Federal do Rio de Janeiro-UNIRIO. Rio de Janeiro, 2010.

                                                Dayse Angela do Nascimento Azevedo

A educação como o teatro encontram-se em um processo de transição. Observa-se nesses dois espaços do saber, uma verdadeira busca por quebras de paradigmas, por elementos eficazes, que contribuem na construção de uma sociedade que respeite cada individuo e iguale as oportunidades levando em consideração suas diferenças.  O foco da investigação é destacar, o percurso do teatro -educação  intercultural no ambito da teatralidade contemporânea. Acredita-se que, tal percurso, se sustentado por diretrizes sócio- histórico- político- artístico- cultural, tornar-se-á sólido, reflexivo, democrático, acessível a todas as crianças, jovens e adultos no exercício da cidadania e dos direitos humanos.

Palavras chaves:  Teatro- educação, ator - mediador.- performer


Introdução

           A pesquisa em questão visa analisar elementos da tradição oral africana presentes na teatralidade contemporânea a partir dos estudos do pedagogo teatral GROTOWSKI sobre as ações físicas do corpo.  A ideia é contribuir na difusão de formas diferenciadas para o teatro- educação em consonância com a lei 10.639/03, que faz referencia à inclusão dos estudos e historia da cultura africana e afro-brasileira nas escolas.

        Tem como objetivo favorecer um percurso pelo caminho natural de desenvolvimento aplicado ao jogo lúdico em um ‘processo criativo’ continuo. Tal processo, quando aplicado no espaço escola, visa a inclusão e a reparação histórica de indivíduos. Abre o horizonte de crianças de etnias/raciais e classes sociais diversas. A conscientização e a reflexão sobre as diferentes possibilidades de se viver em harmonia com as diversidades, em um ambiente que se pretende sustentável.

          O teatro como a educação encontram- se em processo de transição. Observa-se nesses dois espaços do saber, uma verdadeira busca por novos paradigmas, por elementos eficazes que contribuam na construção de uma sociedade que respeite o individuo e iguale as oportunidades levando em consideração as diferenças.  Será nesse contexto, onde  a presente pesquisa se insere.

          Segundo Gaiarsa “toda a psicologia ocidental evoluiu durante dois séculos quase sem falar nesta coisa simples: o personagem humano se move” Gaiarza (1977, P.9)[1].  Tal afirmação nos leva a observar que a partir de 1960, com o trabalho pratico- teórico de pesquisa do pedagogo GROTOWSKI, favoreceu mudanças paradigmáticas através do sistema das ações físicas. Colocando em evidencia o corpo, tal sistema grotowskiano, ultrapassa seus confins quando engloba tanto a dimensão psíquica interior, quanto suas extremidades, atingindo assim o ambiente circundante. Segundo RINI (2005, p.123,126) o estudo de rituais africanos e caribenhos feito por Grotowski consentiu ao maestro individualizar na Arte Performática (africana) alguns elementos técnicos que utilizados como ‘instrumentos’ pelo Ocidente, contribuíram na exploração precisa dos estudos sobre o corpo, se entende: precisão no movimento, sintonia entre tempo/ritmo/ respiração, postura não rígida, importância da ondulação da coluna vertebral, entre outros.

           Para Grotowski, tanto o ‘corpo do ator na cena’ quanto, o ‘corpo do humano na vida quotidiana’ precisam estabelecer contato, estar em relação: ser múltiplo, perceptível, hábil, hibrido, móvel, flexível. O estudo de Grotowski busca, pesquisas direcionadas a uma dinâmica pratica de comunicação fundada na relação interpessoal. Ele procurava a descentralização do poder, um outro ‘saber-fazer’ teatral, uma maneira de representação diferenciada, provenientes de outras culturas. Por essa razão a chamada de Grotowski para o ‘Performer’ que segundo ele significa um estado de ser, um homem em ação, no caminho para conquistar o conhecimento.

           Nesse sentido, o teatro pode vir a contribuir ao (Projeto Político Pedagógico) desenvolvido nas escolas, tendo em vista, as significativas transformações ocorridas desde o final do século XIX até a primeira metade do século XX, por volta dos anos 50/60 quando as convenções tradicionais foram postas em questionamento e, em alguns casos mudadas definitivamente. A partir daí, artistas, pedagogos e intelectuais acreditavam que a experimentação com as novas linguagens do ‘saber-fazer’ teatral, eram favoráveis para a vida do humano e seu entorno (meio ambiente e relações). Foram direcionados novos olhares para a cena, que acabou favorecendo o atual panorama teatral contemporâneo. Para Feral, “o teatro contemporâneo beneficiou-se amplamente de algumas conquistas da arte da performance, já que as praticas performativas redefiniram os parâmetros que permitem pensar a arte [...].” (Fernandes apud Feral, 2009, p. 18).

         Considerando que a vida do humano é uma vida de relações em estado entre: si mesmo, o outro e o meio, torna-se oportuno a necessidade de analisarmos um pouco da nossa realidade brasileira, para assim poder melhor fundamentar a urgente proposta, aqui apresentada. Para Ortiz   ‘falar em cultura brasileira é falar em relações de poder’ (Ortiz 1994, P. 8). Segundo ele, um problema se punha aos intelectuais brasileiros da época da expansão do capitalismo e, da superioridade da civilização européia. O lema era, segundo Ortiz, como pensar a realidade brasileira  visto que  no interior deste quadro, estabelecia-se a implementação e a imitação do modelo europeu para o Brasil. Foi criado então, como justificativa ao atraso brasileiro, o ‘mito da democracia racial’. A história se encontra presente na discussão de Ortiz. É interessante notar que ele parte da antropologia para integrar vários conceitos como: sincretismo, memória coletiva, mito, símbolo, ao analisar os autores nacionais daquela época.
          Se de um lado, a contribuição de Ortiz, nesses seus estudos, foi descrever a formação da cultura brasileira e seu processo simbólico e político, do outro, destaca-se a mudança de paradigmas  descritas por Artaud (2006) sobre as ‘palavras poéticas’. Artaud era contra todos os tipos de significados, inclusive, aquele sobre a própria  ‘palavra poética’. Dizia que, na palavra, já preexiste um significado mas que, na ‘palavra poética'  são as ‘imagens’ que falam mais que a palavra em si. Aqui podemos fazer um paralelo das ‘imagens poéticas’ com as ‘imagens dialéticas’ encontradas em BENJAMIN (1987). Walter Benjamin, através do conceito de historia da narração, busca a desconstrução dos mitos do passado e propõe a reelaborarão de um outro conceito de tempo, um percurso no tempo constituído em uma experiência com o passado que se representa no presente através de ‘imagens dialéticas’.  Por tal motivo, entende-se também como ‘imagens dialéticas’ a desconstrução daquela historia, antidemocrática, que por século nos foi passada e contada através de livros utilizados, ate mesmo, nas escolas.

       Hoje no século XXI, o Ministério da Educação brasileira implementa políticas publicas para o desenvolvimento de Projetos Políticos Pedagógicos que vem a favorecer novos caminhos junto a pratica de Pedagogia Teatral na educação. Evidencia-se um novo olhar voltado à educação, que transcende, que vai além dos muros das escolas, das normas disciplinares. Ao contrario da velha escola, chamada tradicional de regras e de manuais, a Nova escola não permanece isolada da comunidade, ela dialoga, intervém, sugere com o seu em torno. Deve focalizar e respeitar o simples  individuo, o seu campo de vivencia, suas origens e tradições. Fortalece e amplia o campo do conhecimento bem como na experimentação de outras praticas cotidianas. Mesmo se, tais praticas culturais são imagens submersas no cotidiano da vida, à sombra do poder, no ‘processo criativo’ do individuo, essas, se tornam ‘imagens dialéticas’, isto é:  à deriva, na desconstrução do mito  buscando um processo realmente democrático.



Bibliografia

1-   Ramos Enamar. Angel Vianna, A Pedagogia do Corpo. São Paulo, Summus, 2007.

2-   ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo. Sao Paulo, Martins Fontes, 2006. 

3-   BENJAMIN, Walter. Magia e técnica Arte e Política. Rio de janeiro, Brasiliense, 1987GROTOWSKI, Jerzy. Em Busca de Um teatro Pobre. Rio de janeiro, Civilização Brasileira, 1976

4-   FELDENKRAIS, Moshe. Conscientização Pelo movimento. São paulo, summus, 1977

5-   FERÁL, Josette. In Teatralidades contemporâneas. FERNANDES,Silva.
In, Texto e Imagens: Estudos de Teatro.Organizaçao, Werneck Maria  Helena e Brilhante João maria. 7 Letras, 2009.

6-   Grotowski, Jerzy. Em Busca de um Teatro Pobre. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,1976.

7- Ortiz, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo,Brasiliense,1994.

8-  Rini, Roberto. Il Mistero Vivente: organicità e impulsi nella Ricerca di grotowski in Il Teatro e le Leggi dell’Organicità. Organizadores: CIANCARELLI, Roberto e Ruggeri, stefano. Roma, Dino Audino,2005.









[1]  Na apresentação da edição brasileira do livro: Conscientização pelo movimento de Feldenkrais, Moshe São Paulo, Summus,1977, p. 9